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Em Guaianases ação cultural é visceral
- Um olhar das ações culturais de quem é de Guaianases e um convite a vir conhecer aqueles que não são daqui -


As ações culturais podem potencializar um bairro, espaços públicos e as pessoas. Esses elementos são focos de três grupos de Guaianases, bairro do extremo leste da cidade de São Paulo, eu falo de Cine Campinho, Sarau da Maloca e Juntas na Luta, cada qual em sua ação possibilitou novas formas de ser e estar no mundo das pessoas envolvidas em suas atividades. Como diria o cantor da região Tita Reis: “Bóra lá, diga aí, quero ver se tem... Lá em Guaianases tem!” Vamos conhecer agora um pouco de cada ação cultural:

O Cine Campinho surge em 2007 após vários cine-debates que aconteciam nas casas de amigos, a principio as ideias eram possibilitar o contato com o cinema, ocupar um campo abandonado e fortalecer os vínculos comunitários e assim um simples cinema no campo ganha grande destaque sendo um dos projetos que mais soaram no dentro e fora do Estado de São Paulo e com isso houve o grande desenvolvimento das pessoas que participavam da atividade. O bairro foi se apropriando da atividade e o que antes era um filme para descontração virou a união da população, reivindicações por melhoria nos equipamentos públicos, na rua e no próprio campo, também maior participação das pessoas em conselhos gestores, escolas, ong's, além do crescimento da compreensão de sua realidade.

O cinema no Campinho uniu as pessoas e elas juntas eram muito mais fortes para tornar a vida no bairro mais agradável e respeitosa. O projeto já foi financiado, já aconteceu de maneira autônoma e esse ano as sessões estarão acontecendo uma vez por mês, haverá atividades de graffiti e produção coletiva de vídeo por jovens. Sendo assim o Cine Campinho é até hoje a referencia do Jd. Bandeirantes e fez muitos jovens se envolverem com a cultura e fermentou o surgimento de diferentes grupos e coletivos culturais, após ele o bairro nunca mais foi o mesmo.


Não tão distante no tempo um sarau acontece na biblioteca da região, o ano é 2009, a ação é uma intervenção social para a reflexão sobre a realidade das pessoas e do bairro através da música, arte e literatura. Esse era o convite feito a todos e todas para conhecer o sarau da Maloca, o termo maloca – vem de uma palavra indígena que significa casa simples, o sarau vira um encontro de pessoas de casas simples que produzem arte e são invisibilizadas pela indústria cultural. E em roda (tradição indígena) acontece a partilha da arte, das vidas e é alimentado a alma.
Nele também é lembrado das mulheres e homens que lutaram, é contando suas histórias, suas poesias, gerando a celebração do que é mais valioso para nós, a nossa ancestralidade e ela é transmitida da mesma maneira que os nossos antepassados faziam pela oralidade.
E assim a arte sai das casas simples e vai para o mundo, voa a cantos distantes, entra na pele, mexe nas mentes e vai a lugares antes ditos inatingíveis. Este sarau possibilitou que trabalhadores participassem desta atividade, após uma série de reivindicações, reuniões e ofícios, o espaço público é usado após o encerramento do expediente, a noite, isso mesmo! A biblioteca fecha e o sarau da Maloca começa, também gerou a tematização desta biblioteca, após reivindicações do grupo a biblioteca Cora Coralina será especializada em feminismo. E se não fosse a insistência e persistência deste grupo, estas e outras vitórias não teriam acontecido. Hoje mudou o grupo que produz o sarau nesta biblioteca mas a suas conquistas permanecem e são inspirações para nunca desistir diante de um interdito burocrático, seja do gestor, do funcionário público, ou do Estado. Se as explicações para o NÃO for insuficientes, insista! Fale com o coordenador, supervisor, secretarias, porque se o que buscas é legitimo, bom para as pessoas, para o bairro, uma hora quem esta no poder público vai entender e foi por essas e outras que o Sarau da Maloca conquistou respeito e espaço na cena cultural.


Com a mesma energia em 2012 um grupo de mulheres se une para desnaturalizar a situação de violência vivida por elas e outras mulheres, buscam a superação do machismo e a construção de uma nova sociedade, onde homens e mulheres tenham a mesma importância e mesmo direito de vida plena, inteira, completa! O coletivo feminista é o Juntas na Luta, o grupo organiza mensalmente um sarau feminista, encontro de formação, graffiti e uma oficina de pintura em pano de prato.

A oficina permite um encontro com mulheres para partilha de suas realidades e reflexões sobre as mesmas, pintar pano de prato é pretexto para unir as mulheres, a atividade começa com uma contação de história, que gera um debate sobre a identificação que as participantes têm com os personagens da história e com isto iniciam-se as partilhas de suas realidades, a vivência com os seus companheiros, filhos, a vida na casa, no trabalho, na rua, ficando claro que as realidades das mulheres são muito parecidas, em todos os lugares que a oficina circulou os relatos são muito semelhantes, situações de uma violência que acontece diariamente e só estando em grupo é possível perceber que não há coincidência, dai a importância de desnaturalizar e desmascarar o machismo.
Após o debate inicia a pintura, ela sempre traz elementos da conversa que aconteceu anteriormente e estando pronto, a mulher o leva para casa, este tecido foi escolhido por ficar maior parte do tempo na cozinha, local onde é necessário acontecer muitas mudanças, local onde boa parte das tarefas ficam para as mulheres e onde os moradores da casa circulam diariamente, desta forma o pano vira um comunicador com estes moradores, possibilitando perguntas, diálogos e quem sabe mudanças nas realidades. Atua também na memória da mulher, relembrando a vivência que ela teve de partilha, de escuta, de acolhida e busca de uma vida igualitária. Uma simples pintura em pano de prato pode permitir transformações pessoais, união de mulheres e a busca de uma outra sociedade.

O que estes grupos deixam bem claro é que podemos sim fazer algo para melhorar nós mesmos, o nosso bairro e quem sabe o mundo, mudanças em espaços abandonados como Campinho que virou cinema, nos espaços públicos tão cheios de regras e hierarquias no qual o Sarau da Maloca é o exemplo e em lugares com paredes mais grossas do que imaginamos, o amargo lar, as casas onde há tanta violência, pano de fundo da oficina do Juntas na Luta, mudanças que só podem acontecer quando tivermos a coragem de unirmos forças e dar o primeiro passo, nem pense se será difícil, demorado ou ineficaz, vamos começar o caminho e na caminhada a gente se encontra.

Sheyla Melo 
pedagoga e estudante de jornalismo

Matéria divulgada na revista eletrônica Arruaça da Faculdade Cásper Líbero, disponível em http://casperlibero.edu.br/em-guaianases-acao-cultural-e-visceral/

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